A PROPÓSITO DO PROGRAMA
Rencontros 21, dia 21, às 21h30, na Casa da Música
Luisa Tender, piano
Bach, Variações Goldebrg
1. As Variações Goldberg são uma das obras mais divulgadas de Bach. O que leva um pianista a entregar-se à interpretação de uma obra já tão explorada por nomes incontornáveis da História do Piano?
Na verdade, esta questão levanta-se-nos em relação a qualquer obra do dito «repertório tradicional». Quando pensamos nas Variações Goldberg, não haverá possivelente nada de novo que possamos acrescentar ao que já foi dito e tocado no passado. Mas, tendo eu um imenso prazer em tocar esta obra, acredito que essa emoção positiva possa passar para o público durante a performance, proporcionando-lhe assim um bom momento. Um momento agradável, durante o qual pode revisitar a partitura que talvez já conheça bem, mas que nunca é demais ouvir desde que tocada com rigor e envolvimento. Na minha opinião, as grandes obras do repertório tradicional continuam a sê-lo precisamente porque se ouvem repetidamente, sem que se esgote o seu potencial de despertar emoções especiais em quem as ouve.
2. Tendo em conta a tradição interpretativa que envolve esta obra, que tipo de influência esta tradição exerceu nas suas escolhas performativas?
É naturalmente imensa a influência das performances e gravações das Goldberg a que tive ou tenho acesso. Também inestimável é a influência de todo o Bach que vou ouvindo, ainda que não se trate de obra para tecla. Na «minha» construção de uma interpretação, há por exemplo uma variação que imagino ter um oboé solista sobre um acompanhamento de pequeno ensemble de cordas; outra poderá ser um momento coral de uma das Paixões. Enfim, a inspiração noutros géneros e instrumentações, dentro da imensa obra de J. S. Bach, tem um potencial quase ilimitado!
3. O disco do Murray Perahia das Goldberg é acompanhado de uma breve análise da obra feita pelo pianista. Na sua perspectiva, este tipo de investigação teórica pode ou não ser importante e decisivo nas escolhas e decisões performativas?
Sem dúvida! Tocar esta obra implica estudar muitas notas no teclado, mas acima de tudo envolve um trabalho intelectual imenso. Da minha própria análise da obra - que me tem dado muito que pensar ao longo dos anos - resulta, por exemplo, a minha decisão de agrupar esta longa sucessão de variações em «três blocos» distintos. No palco, há dois momentos nos quais faço paragens um pouco mais alongadas, precisamente para marcar o final de um desses «blocos» e o início de outro. Tal faz-me sentido, tanto intelectualmente, como intuitivamente. De tudo o que toquei até hoje, as «Goldberg» são talvez a obra em cuja performance melhor sinto convergir os desafios instrumental, analítico, e emocional. A convergência destes três prazeres é imensamente gratificante.
Ainda no que toca à análise da obra, tenho mudado ao longo do tempo a decisão de fazer as Goldberg, em palco, sem repetições. Toco algumas das repetições o que, naturalmente, traz a possibilidade de jogar com a ornamentação. Há um momento que me tem dado imenso que pensar: a transição da segunda parte do tema para a sua repetição. É um momento mágico. Uma espécie de «reino de Nárnia» em dois compassos sucessivos, que não se ouvem como tal se omitirmos a repetição. A minha maneira de os tocar ainda não parou de mudar. Neste e noutros momentos sinto-me a explorar um mundo desconhecido, cheio de surpresas, mágico...
4. Segundo sei, as Variações Goldberg acompanham desde há uns anos o seu percurso artístico, tendo-as apresentado em diferentes momentos. De que forma esta experiência musical influenciou a maneira como executa hoje esta música?
Muito, muito, muito. Mas ainda não o suficiente. Vou tocá-las pela quinta vez e tenho a sensação de continuar na fase inicial do meu trabalho!